REGUE AS RAÍZES

Nestes dias de agitadas atividades cristãs, não existe o perigo de negligenciarmos a cultura de nossos corações? Certa manhã de domingo, Wilberforce visitou Clarkson e o encontrou sentado entre seus documentos, empenhado em seus grandes planos de abolição. Wilberforce disse a ele, muito sinceramente: “Oh, Clarkson! Você já pensou em sua alma?”. Clarkson respondeu: “Wilberforce, não tenho tempo para pensar em nada agora, a não ser nesses pobres negros”.

E não existe o perigo de que muitos que estão absortos em esquemas de benevolência se esqueçam de cuidar de sua própria alma? Não existe o mesmo perigo na vida de todo pastor e obreiro cristão? Não é a tendência destes dias, mesmo na Igreja, a fim de se cultivar uma religião operante, muitas vezes negligenciar a profunda piedade do coração? Não tenho nenhuma palavra a dizer contra a atividade cristã. Ninguém consegue trabalhar o suficiente. Mas a atividade eficiente só pode surgir da religião profunda do coração. Primeiro, sente-se aos pés de Jesus, e então o ministério seguirá tão naturalmente quanto a colheita segue a semeadura.

A própria vida do Redentor foi um exemplo para nossa imitação, e nunca existiu um trabalhador como Ele. Todas as Suas energias foram distribuídas em atividades incessantes. Mas Sua vida tinha uma raiz. Ele passava horas, muitas vezes noites inteiras, em oração. Ele estava sempre cheio do Espírito Santo, e sempre saía da comunhão silenciosa e profunda para Sua labuta.

E o mesmo é verdade para todos os verdadeiros grandes obreiros que já trabalharam na Igreja. Eles cuidaram de suas próprias almas como a melhor e única preparação verdadeira para cuidar das almas dos outros. Seus grandes desenvolvimentos de energia cristã foram frutos regulares de uma piedade fervorosa. Eles criaram raízes para baixo e produziram frutos para cima. E assim deve ser sempre. Atividade eficiente, contínua e frutífera só pode resultar de uma vida que está escondida com Cristo em Deus.

O que a Igreja deseja então, hoje, não é menos energia e atividade cristã – isso ela deseja mais. Porém, para que possa ter mais, deve primeiro ter mais vida no coração. Uma vida cristã só pode ser exuberante e frutífera quando suas raízes crescem em solo profundo e recebem abundantes chuvas de influência espiritual.

E é no privado que as raízes da vida cristã crescem. Se não houver oração secreta, comunhão silenciosa, vida pessoal com Deus, não pode haver frutos genuínos do Espírito. Em muitos sentidos, a raiz é a parte mais importante da árvore. Os homens não a veem. Ela está escondida sob o solo. Não recebe elogios dos homens. Ainda assim, no escuro, ela trabalha em silêncio e, em seu laboratório secreto, ela gera a vida que sobe até a árvore e que se manifesta no tronco e nos galhos, nas folhas e nos frutos. As folhas são tecidas naquela escura fábrica de terra. As cores que tingem as flores são preparadas lá embaixo nessa modesta oficina. Os pedacinhos que se amontoam em silêncio, um a um, à medida que o belo tecido da árvore sobe, vão sendo talhados nas pedreiras secretas das raízes. Os frutos que todos os anos ficam pendurados em ricos cachos nos ramos, tiram toda a sua riqueza e sabor das raízes. E se uma árvore murcha e definha, aquele que deseja reanimá-la deve olhar para as raízes.

E essas analogias são verdadeiras na vida espiritual. A vida religiosa secreta e particular de um homem não é aquilo que o mundo vê, elogia e compreende; nem é o que abençoa e beneficia diretamente o mundo. Não é o privado de um homem que deve ser colocado sobre uma colina. Mas para que possa haver uma vida bela, exuberante e frutífera à vista do mundo, deve haver uma raiz secreta e oculta para nutrir esse crescimento visível. Para que um homem seja ativo e útil como obreiro cristão, deve primeiro ser forjado pelo Espírito Divino.

Toda vida cristã ativa deve ter, portanto, como contrapartida, uma estreita caminhada pessoal com Deus. A energia de um deve ser equilibrada pela intensidade do outro. O perigo não é trabalharmos demais, mas orarmos pouco. É de se temer que tenhamos muitos lugares de oração desertos ou raramente frequentados. Dedicamos pouquíssimo tempo à comunhão silenciosa e solitária com Deus. Quando estamos apressados ​​com os deveres, dedicamos ainda menos tempo à devoção secreta. Nossa atividade nos separa de nossa comunhão. Nosso trabalho nos afasta de nossa espera.

É certo dar, mas primeiro devemos receber de Deus; senão como podemos dar? Não devemos ir até as almas famintas com um cesto vazio; devemos esperar aos pés de Jesus até que Ele encha nossas mãos com pão.

Estamos tão sobrecarregados com tanto serviço que não temos tempo para nos sentarmos para uma meditação silenciosa. Em nossa pressa por resultados, não damos tempo a Deus para trazer os frutos perfeitos em nossas vidas. Nós os colhemos enquanto estão verdes e imaturos, e pensamos em alimentar os homens com eles dessa maneira. Se quisermos ser Martas ocupadas, devemos ser primeiro Marias contemplativas. Devemos receber da mão de Deus antes de distribuir para a multidão. Vamos, então, cuidar para que nossas próprias almas sejam alimentadas, antes de procurarmos alimentar os outros. Vamos construir nossos lugares de oração perto de nossos púlpitos e de nossos campos de trabalho. Vamos ver se as raízes estão sendo regadas, e então seremos árvores frutíferas de fato, nossos galhos penderão cheios e cobertos de beleza.

Por J. R. Miller

2 comentários

  1. Excelente texto, é preciso gastar mais tempo em oração, se quisermos ver nossas vidas mudadas, as vezes nos encontramos tão atarefados pra Deus em prol de Deus mas tão vazios da sua presença.
    Obrigada, muito edificante.

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